Acabam amanhã os Jogos Paraolímpicos em Atenas, mas só hoje tive tempo de reflectir um pouco sobre o assunto que me andava intrigar.. A primeira coisa que me veio à cabeça foi uma certa estranheza por ver escrito em praticamente todos os media portugueses o termo “paralímpicos”. Confesso que em 2000 não prestei muita atenção a estes jogos pelo que a dúvida não me surgiu – no entanto os Jogos Paraolímpicos existem desde 1960, embora só desde 1984 ostentem este nome oficialmente.
A estranheza era devido ao próprio termo “paralímpicos” que indiciava uma palavra composta, mas que com a forma com que era escrita não respeitava as regras de formação de palavras em português.
Esta questão foi abordada por mais de que uma vez no Ciberdúvidas, não deixando dúvidas de que a forma “paralímpicos” não era uma palavra bem formada.
Mas sabendo eu o que a casa gasta, pensei logo que o problema não estava na formação das palavras, mas na origem dos jogos e da forma como a palavra foi cunhada por quem os inventou.
Foi assim que encontrei na Internet um sítio que explica assim a formação da palavra Paralympian.
The term Paralympian as a derivative of Paralympic(s) is of course modelled on the word Olympian as a derivative of Olympic(s), used to refer to a competitor in the games.
The term Paralympics was coined in the 1950s as a blend of Olympics and the word paraplegic, a noun referring to someone who cannot move the parts of the body below the waist. The prefix para- within this word is of Greek origin, and in fact means ‘beside’, featuring in words such as paralysis, from the Greek paralusis meaning ‘be disabled at the side’.
The prefix’s original meaning of ‘beside’ has been extended into a variety of contexts. It often relates to the idea of something having an auxiliary or subsidiary function as in words such as paramedic or paramilitary. Another popular interpretation is ‘beyond’ or ‘distinct from’ as in paranormal.
The appearance of what looks like the same prefix in words such as parasol and parachute in fact traces back to completely different origins. Here para- derives from the Italian parare, meaning ‘defend’ or ‘shield’.
Por aqui se vê que a palavra “Paralympics” foi formada a partir dos correspondentes ingleses de Olímpicos e paraplégicos (porque os primeiros jogos, que se limitavam apenas a veteranos ingleses da II Guerra Mundial com deficiências provocadas pela guerra). Não foram buscar directamente os prefixo grego para.
Facilmente se percebe que os media (e não só) apenas se limitaram a traduzir directamente do inglês para português sem qualquer tipo de reflexão linguística sobre a matéria (que aliás os media nunca ou raramente fazem).
Aliás, na sequências das duas respostas acima mencionada do Ciberdúvidas, um leitor defende a importação da palavra “paralímpicos”. Sugiro a leitura da intervenção do leitor e da resposta dada pelo Ciberdúvidas.
Chegados a este ponto podem perguntar-me: afinal em que é que ficamos? Como tradutor não posso ser insensível à cunhagem de novos termos - sobretudo a nível da tradução técnica que habitualmente faço em que os termos portugueses são frequentemente cunhados em português por engenheiros que das regras de formação de palavras têm apenas uma vaga ideia (tenho no meu arquivo algumas palavras que andam por aí à solta que são verdadeiros monstros) – pelo que até poderia aceitar o decalque a partir do inglês.
Aliás as formas “paralympique” (francês) e “paralympisch” (alemão) estão amplamente divulgadas, ao contrário de, respectivamente, “paraolympique” e “paraolympisch” que são verdadeiramente marginais.
Mas, apesar de tudo, tenho dificuldade em aceitar a palavra “paralímpico”, não por ser um “Velho do Restelo” (aliás, um dias hei-de dizer porque é que o “Velho do restelo” não é um “velho do Restelo”, a história está mal contada), mas apenas porque a palavra pode ser substituída por uma mais bem formada e que pode designar exactamente o mesmo conceito.
Para mim é-me indiferente que “paralímpico” possa ter surgido antes ou depois de “paraolímpico”, pois a cunhagem original em inglês não é, também, perfeita, pois toma o elemento prefixal grego “para-“ como o todo de “paraplégico” quando esta palavra vinda do grego também é uma palavra composta.
Aliás, e fazendo aqui uma pequena digressão, isto de tomar o elemento grego prefixal como o significado semântico total de uma palavra composta cada vez mais acontece, ver, por exemplo, o caso de “homofobia” que, etimologicamente, quer dizer “aversão ao que é igual”, mas que actualmente é “aversão ou rejeição a homossexual e a homossexualidade” (Houaiss). Neste caso o elemento grego “homo-“ entra na composição de “homofobia” significando “homossexual” e não apenas “igual, semelhante”.
Também em “paralympics” ou elemento prefixal “para” toma o valor semântico total de “paraplégico”. Mas o problema não está sequer aí, pois “para-“ tem também o valor semântico de “defeito” (ver Houaiss). O problema está na formação do segundo elemento do composto “olímpicos” que, em português, não pode ter a vogal inicial elidida.
Uma rápida busca no Google, informa-me de que a forma “paralímpicos” é usada em Portugal, com apenas menos de duas centenas de casos em “paraolímpicos”. Pelo contrário, “paraolímpicos” é esmagadoramente maioritária no Brasil.
Como digo, falo deste caso, não por ser um purista da língua (qualquer pessoa com conhecimentos de linguística não pode querer conservar a língua pois sabe que ela fatalmente evoluirá), mas por considerar que há soluções, em tradução, que não passam pelo decalque ou empréstimo acrítico das formas que vêm do exterior. E isto é responsabilidade de todos, não apenas dos linguistas (aliás, conheço vários engenheiros bastante preocupados com as adaptações terminológicas que têm que fazer).
Por tudo isto, acho que os termos “jogos paraolímpicos”, “paraolimpíada”, “atletas parolímpicos”, etc. deveriam ser preferidos e deixar cair os termos “paralímpicos” que me soa sempre a “limpeza” e a outras coisas semelhantes.
Ah, já me esquecia. Não devemos nunca ter esse ar de superioridade que por vezes os chamados portugueses cultos têm pela língua falada no Brasil. Em muitos capítulos da língua eles ensinam-nos como se deve defender a língua
Post-scriptum. Não compreendo o facto de Dicionário da Academia ter optado pela grafia "para-olímpico" pois o elemento prefixal "para-" liga-se sempre ao elemento seguinte.
1 comentário:
Gostei de ler esta pequena dissertação sobre algo que hoje parece uma bizantinice, uma coisa supérflua, tal o desprezo em que caiu o culto da Língua.
A Comunicação Social, agora quase toda servida por licenciados em Jornalismo ou Comunicação, talvez, por isso mesmo, se julgue dispensada de escrever com correcção e de reflectir na sua ferramenta de trabalho : afinal, a Língua Portuguesa.
Invariavelmente, traduzem do inglês americano os termos que encontram, mesmo quando os americanos ou ingleses os foram buscar às línguas clássicas : latim e grego. Por isso, muitos dizem mídia, em vez de media, mesmo que os anglo-americanos o grafem assim. Para estes, a pronúncia à inglesa está certa e a grafia é latina, pelo plural de medium, que é media.
Não é preciso formação em Letras, para se saber isto, porque é matéria da cultura geral de qualquer indivíduo medianamente culto, como deveria ser qualquer um que tivesse passado pelos bancos de uma Universidade, Clássica ou Técnica.
Parece que, infelizmente, já não é assim, as duas Culturas alhearam-se muito mais do que Snow previra e, até entre os de Letras, cresceu a incultura e a ignorãncia do Português, cuja Gramática devem considerar fascista ou, pelo menos, autoritária, por impor regras, como, de resto, a Matemática e a Física e... todos os saberes que exijam respeito de regras e observação de uma disciplina própria.
Pode ser que o anunciado programa televisivo sobre a Língua Portuguesa venha dar-nos uma ajudinha e convença os Professores que devem continuar a insistir no ensino da Gramática e na leitura dos Clássicos, que tanto e tão bem escreveram a Língua que nos identifica e singulariza como povo herdeiro de uma cultura algo original, a que pertencem muitos outros povos, na América, na África,na Índia, em que pese o abandono nosso e a hostilidade das autoridades indianas ainda subsiste, na Oceania e na China, aqui de facto em risco de extinção, se não houver uma forte determinação política da parte de Portugal.
Todos podemos e devemos contribuir para a dignificação do Idioma, qualquer que que seja a nossa formação de base, porque, neste ponto, se trata de um dever de cidadania, que a todos incumbe, não se admitindo excepções ou isenções.
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