No seguimento do artigo de Humanae Litterae – Parte I de 15/11/2004, apresento, por fim, a continuação que me propus fazer.
Quando se fala em Renascimento praticamente toda a gente lembra-se, sobretudo, dos séculos XV e XVI, da Itália, dos Humanistas, Leornardo da Vinci, por exemplo, e que, de modo geral, a palavra Renascimento se aplica aquele movimento cultural que sucedeu à Idade Média, cujo o fim é tradicionalmente fixado como o do ano da conquista de Constantinopla, em 1453, por Maomé II, embora o início deste período não seja igual para todos os países, pois, por exemplo, Petrarca, sem dúvida um humanista, é do século XIV enquanto que o Renascimento humanístico em Portugal é geralmente datado do final do séc. XV (1485) com a chegada de Cataldo Parísio Sículo.
Subjacente ao conceito de Renascimento dos séculos XV e XVI está a ideia de um renascimento cultural, subentendendo-se que depois da Antiguidade Clássica a Europa teria caído na barbárie durante a Idade Média, sendo o Renascimento a recuperação da cultura dos clássicos. Régine Pernoud na sua obra O mito da Idade Média (Europa-América) - no original Pour en finir avec le Moyen Age -, cita um Dictionnaire général des lettres de 1872 que sobre o Renascimento diz o seguinte “as artes e as letras que pareciam ter soçobrado no mesmo naufrágio que a sociedade romana, pareceram reflorir e, após dez séculos de trevas, brilhar com novo clarão”.
É claro que esta mesma noção foi fortemente alimentada pelos próprios humanistas do séc. XV e XVI, desejosos de marcar a diferença com o período imediatamente antecedente. Giorgio Vasari (1511-1574), pintor e historiador de arte, afirmou que entre o sécs. XV e XVI tinha sido criada "una nuova era di rinascita e rigenerazione dell'umanità".
Mas autores de séculos posteriores, sobretudo do séc. XVIII e XIX, também foram bastante insistentes sobre este ponto. Como diz José V. Pina Martins (in Dicionário de História Religiosa de Portugal, Círculo dos Leitores, p. 126):
Ligado intimamente ao conceito de Renascimento encontra-se o problema das relações do Renascimento com a fase histórica que o precede, a Idade Média. Embora os humanistas do séc. XV tivessem consciência de romper as «trevas» da idade anterior, foi a partir do século XVIII que a interpretação do Renascimento, na sua primeira fase preenchida pela cultura do humanismo, começou a definir-se como fractura em relação ao período cultural precedente. Para os que sustentaram o conceito de Renascimento como de ruptura inequívoca das normas da transcendência, com o propósito de apresentarem a Idade Média como uma época de obscurantismo intelectual e de tirania eclesiástica, para esses o Renascimento representa o triunfo sem reticências da omnipotência do homem, autónomo em sentido universal, criador do seu próprio mundo. As ideias do humanismo renascentista representariam, assim, o divórcio total das exigências terrenas perante a realidade transcendente, tida como superstição. (...) O Renascimento continua, através de uma evolução historicamente diferenciada, a marcha cultural da Idade Média.
Sabemos actualmente que esta ideia está errada, pois a Idade Média, não foi, no seu todo, a “idade das trevas” que normalmente lhe está associada e que leva, por exemplo, a ouvirmos o adjectivo “medieval” a propósito daquilo que se pensa ser retrógado ou bárbaro.
De facto, e parece que isso é muitas vezes esquecido, os eruditos da Idade Média conheciam grande parte dos clássicos, sobretudo os latinos e também alguns gregos. Já para não falar de casos como Venâncio Fortunato (530-600) ou Santo Isidoro de Sevilha (séc. c. 560-636), último Padre da Igreja Ocidental e o grande mestre da Idade Média da Alta Idade Média, que muitos poderão considerar como últimos legados da civilização romana, temos que notar que, na época contemporânea, se referiu a palavra “renascimento” a propósito de outros séculos durante a Idade Média.
Assim, temos o chamado Renascimento carolíngio, no tempo de Carlos Magno, que durante o seu reinado, rodeou-se em Aix-la-Chapelle de alguns dos maiores sábios da época, Pedro de Pisa, Alcuíno, Eginhard, mas, obviamente este movimento não é comparável com o movimento de 600 anos depois. Também a partir do séc. XII, em toda a Europa há um florescimento da actividade intelectual, lembremo-nos por exemplo de Dante Alighieri (1265-1321), que denota um grande conhecimento da Antiguidade Clássica.
Por outro lado, é preciso não esquecer que, se em muitos casos lemos actualmente os clássicos da Antiguidade, foi porque os seus escritos foram copiados e recopiados durante séculos, mesmo os de autores como Catulo, nos mosteiros medievais e mesmo durante a Alta Idade Média. O que distingue o Renascimento de todos os anteriores períodos da Idade Média é a sua imitação servil da Antiguidade Clássica. Durante a Idade Média a Antiguidade já era conhecida, mas servia apenas de suporte para alcançar horizontes mais vastos. No Renascimento, a Antiguidade era o modelo inultrapassável, o nec plus ultra.
Dito isto, não devemos reduzir o Renascimento ao Humanismo, mas devemos reconhecer que, numa primeira fase, foi a vertente humanística que moldou teoricamente o Renascimento. Mas quanto a este problema, o da relação entre Humanismo e Renascimento, espero voltar mais tarde.
Mas se o Humanismo moldou o Renascimento, tê-lo-á feito em contraponto com a Idade Média? Há muitos que, na esteira do conceito de Renascimento como recuperação da cultura depois de mil anos de trevas, consideram que a uma Idade Média totalmente religiosa se opôs um Renascimento laico e imanentista (cf. Gioachino Paparelli in Feritas, Humanitas, Divinitas, p. 18).
Mas antes de avançarmos para este ponto e apresentarmos as razões pelas quais esta visão antagónica entre a religiosidade da Idade Média e o laicismo do Renascimento (Humanismo) não pode ser aceite, vamos ver qual a origem de Humanismo.
Será o tema do próximo artigo desta série. Prometo não demorar tanto tempo como aconteceu com esta parte II.
Quando se fala em Renascimento praticamente toda a gente lembra-se, sobretudo, dos séculos XV e XVI, da Itália, dos Humanistas, Leornardo da Vinci, por exemplo, e que, de modo geral, a palavra Renascimento se aplica aquele movimento cultural que sucedeu à Idade Média, cujo o fim é tradicionalmente fixado como o do ano da conquista de Constantinopla, em 1453, por Maomé II, embora o início deste período não seja igual para todos os países, pois, por exemplo, Petrarca, sem dúvida um humanista, é do século XIV enquanto que o Renascimento humanístico em Portugal é geralmente datado do final do séc. XV (1485) com a chegada de Cataldo Parísio Sículo.
Subjacente ao conceito de Renascimento dos séculos XV e XVI está a ideia de um renascimento cultural, subentendendo-se que depois da Antiguidade Clássica a Europa teria caído na barbárie durante a Idade Média, sendo o Renascimento a recuperação da cultura dos clássicos. Régine Pernoud na sua obra O mito da Idade Média (Europa-América) - no original Pour en finir avec le Moyen Age -, cita um Dictionnaire général des lettres de 1872 que sobre o Renascimento diz o seguinte “as artes e as letras que pareciam ter soçobrado no mesmo naufrágio que a sociedade romana, pareceram reflorir e, após dez séculos de trevas, brilhar com novo clarão”.
É claro que esta mesma noção foi fortemente alimentada pelos próprios humanistas do séc. XV e XVI, desejosos de marcar a diferença com o período imediatamente antecedente. Giorgio Vasari (1511-1574), pintor e historiador de arte, afirmou que entre o sécs. XV e XVI tinha sido criada "una nuova era di rinascita e rigenerazione dell'umanità".
Mas autores de séculos posteriores, sobretudo do séc. XVIII e XIX, também foram bastante insistentes sobre este ponto. Como diz José V. Pina Martins (in Dicionário de História Religiosa de Portugal, Círculo dos Leitores, p. 126):
Ligado intimamente ao conceito de Renascimento encontra-se o problema das relações do Renascimento com a fase histórica que o precede, a Idade Média. Embora os humanistas do séc. XV tivessem consciência de romper as «trevas» da idade anterior, foi a partir do século XVIII que a interpretação do Renascimento, na sua primeira fase preenchida pela cultura do humanismo, começou a definir-se como fractura em relação ao período cultural precedente. Para os que sustentaram o conceito de Renascimento como de ruptura inequívoca das normas da transcendência, com o propósito de apresentarem a Idade Média como uma época de obscurantismo intelectual e de tirania eclesiástica, para esses o Renascimento representa o triunfo sem reticências da omnipotência do homem, autónomo em sentido universal, criador do seu próprio mundo. As ideias do humanismo renascentista representariam, assim, o divórcio total das exigências terrenas perante a realidade transcendente, tida como superstição. (...) O Renascimento continua, através de uma evolução historicamente diferenciada, a marcha cultural da Idade Média.
Sabemos actualmente que esta ideia está errada, pois a Idade Média, não foi, no seu todo, a “idade das trevas” que normalmente lhe está associada e que leva, por exemplo, a ouvirmos o adjectivo “medieval” a propósito daquilo que se pensa ser retrógado ou bárbaro.
De facto, e parece que isso é muitas vezes esquecido, os eruditos da Idade Média conheciam grande parte dos clássicos, sobretudo os latinos e também alguns gregos. Já para não falar de casos como Venâncio Fortunato (530-600) ou Santo Isidoro de Sevilha (séc. c. 560-636), último Padre da Igreja Ocidental e o grande mestre da Idade Média da Alta Idade Média, que muitos poderão considerar como últimos legados da civilização romana, temos que notar que, na época contemporânea, se referiu a palavra “renascimento” a propósito de outros séculos durante a Idade Média.
Assim, temos o chamado Renascimento carolíngio, no tempo de Carlos Magno, que durante o seu reinado, rodeou-se em Aix-la-Chapelle de alguns dos maiores sábios da época, Pedro de Pisa, Alcuíno, Eginhard, mas, obviamente este movimento não é comparável com o movimento de 600 anos depois. Também a partir do séc. XII, em toda a Europa há um florescimento da actividade intelectual, lembremo-nos por exemplo de Dante Alighieri (1265-1321), que denota um grande conhecimento da Antiguidade Clássica.
Por outro lado, é preciso não esquecer que, se em muitos casos lemos actualmente os clássicos da Antiguidade, foi porque os seus escritos foram copiados e recopiados durante séculos, mesmo os de autores como Catulo, nos mosteiros medievais e mesmo durante a Alta Idade Média. O que distingue o Renascimento de todos os anteriores períodos da Idade Média é a sua imitação servil da Antiguidade Clássica. Durante a Idade Média a Antiguidade já era conhecida, mas servia apenas de suporte para alcançar horizontes mais vastos. No Renascimento, a Antiguidade era o modelo inultrapassável, o nec plus ultra.
Dito isto, não devemos reduzir o Renascimento ao Humanismo, mas devemos reconhecer que, numa primeira fase, foi a vertente humanística que moldou teoricamente o Renascimento. Mas quanto a este problema, o da relação entre Humanismo e Renascimento, espero voltar mais tarde.
Mas se o Humanismo moldou o Renascimento, tê-lo-á feito em contraponto com a Idade Média? Há muitos que, na esteira do conceito de Renascimento como recuperação da cultura depois de mil anos de trevas, consideram que a uma Idade Média totalmente religiosa se opôs um Renascimento laico e imanentista (cf. Gioachino Paparelli in Feritas, Humanitas, Divinitas, p. 18).
Mas antes de avançarmos para este ponto e apresentarmos as razões pelas quais esta visão antagónica entre a religiosidade da Idade Média e o laicismo do Renascimento (Humanismo) não pode ser aceite, vamos ver qual a origem de Humanismo.
Será o tema do próximo artigo desta série. Prometo não demorar tanto tempo como aconteceu com esta parte II.
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