segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Ainda Dante Alighieri

A Divina Comédia é sem dúvida a obra-prima de Dante e de longe a sua obra mais conhecida, aquela que o tornou conhecido ainda em vida (embora nem sempre pelas melhores razões - havia quem acreditasse que ele tinha estado mesmo no inferno), mas as suas outras obras, que poderíamos considerar como menores e de que a Vita Nuova faz parte, bastariam só por si para assegurar o lugar de Dante entre um dos grandes da literatura italiana em particular e mundial em geral.

O seu tratado de filologia De Vulgari Eloquentia, escrito em latim, composto por dois livros, embora Dante, originalmente, tivesse previsto quatro livros (nunca chegou a escrever os dois últimos), em que exalta a língua vulgar italiana (vulgar para Dante é a língua materna falada pelas pessoas em contraponto com o latim, aprendido, na sua época, pelos doutos).

Como se sabe, no tempo de Dante (e ainda nos séculos seguintes), as línguas nacionais não tinham o mesmo estatuto do que o latim, que era a língua universalmente utilizada por todos aqueles que tinham instrução, para assim se fazerem entender em qualquer ponto da Europa onde estivessem. Isto tinha várias consequências, como, por exemplo, a grande mobilidade dos estudantes universitários que, fossem para onde fossem, encontravam a aulas sempre dadas em latim.

Mas Dante considerou que a língua vulgar tinha a dignidade suficiente para tratar qualquer tema, mesmo os mais elevados. Dante e, mais tarde Petrarca, tiveram uma enorme influência para transformarem o toscano na língua italiana actual, suplantando todos os outros dialectos italianos. A Itália, naquela época (e até ao séc. XIX) não estava unida política, nem sequer linguisticamente. Foi através do prestígio adquirido pelas obras de florentinos influentes como Dante, Petrarca ou Boccacio, que a língua da Toscânia se elevou a padrão nacional da península.

O facto de ter escrito uma obra como a Divina Comédia em italiano, tratando temas profundos e complexos, permitiu que o toscano se elevasse a acima de todos os outros dialectos italianos, pois depois dele Boccaccio e Petrarca também escreveram no mesmo dialecto.

Outras obras de Dante tiveram, também alguma consequências imprevisíveis, por exemplo, após a sua morte, o legado pontifício da Lombardia quis que os restos mortais de Dante, que estavam em Ravena, fossem queimados juntamente com a sua obra De Monarchia, pois esta era considerada herética. Esta obra escrita em latim, em três livros, defendia a separação entre o Papado e o Império. Dante acreditava num Império universal como única modo de garantir a paz. Por isso o poder do Imperador não poderia estar sujeito ao do Papa. De qualquer modo, nem os seus restos mortais, nem a sua obra foram queimados.

Sob o titulo de Rimas reuniram-se todas as poesias escritas por Dante que não fazem parte da Vida Nova e do Convívio (este foi escrito entre os anos de 1304 e 1307 quando Dante estava no exílio, sendo em escrito em vulgar, pois tratava-se de uma obra de divulgação cultural). As Rimas são uma compilação que não foi feita pelo poeta, mas sim por críticos que fizeram um trabalho de pesquisa de poemas de Dante por entre manuscritos, tentando expurgar as falsas atribuições, para acabarem por fazer um espécie de "Cancioneiro" de Dante. Neste Cancioneiro pode assistir-se a amadurecimento poético de Dante, pois temos poemas de juventude como de idade mais avançada.

Dante Alighieri foi sem dúvida um dos grandes escritores de sempre, com uma agitada vida política que o fez exilar de Florença, para onde não voltou mesmo depois de morto, tendo sofrido muito por esse exílio.

Nos autem, cui mundus est patria velut piscibus equor, quanquam Sarnum biberimus ante dentes et Florentiam adeo diligamus ut, quia dileximus, exilium patiamur iniuste, rationi magis quam sensui spatulas nostri iudicii podiamus.

Eu, que tenho por pátria o mundo como os peixes o mar, embora tenha bebido no Arno sendo ainda menino de leite e tanto ame Florença que por seu amor sofro injustamente o exílio, apoio os meus propósitos mais na razão do que no sentimento.

3 comentários:

André Pio disse...

Caro amigo, gostei das tuas eruditas observações a respeito do grande Dante. Eu também postei um pequeno escrito sobre ele e gostaria da tua opinião. Quando puder visite a minha página: panlogos.space.lives.com

Marcelo disse...

Elucidativo teu texto sobre o assunto colega! Também sou muito fã dos escritos desse grande autor italiano, teu texto me encorajou a buscar material um pouco além dos livros que costumamos estudar na faculdade, como a Divina Comédia, livro obrigatório, ao meu ver

Anónimo disse...

Aprendi muito