Nascido a 13 de Junho de 1888, também em Lisboa, Pessoa foi, para mim, o maior poeta português do século XX, embora possa haver quem discorde desta opinião, por exemplo, ouvi uma vez Álvaro Cunhal, em entrevista, a dizer que nunca tinha gostado muito da poesia de Pessoa (o que também acho natural, basta ver a concepção de arte de Cunhal e as suas discusões sobre isso com José Régio na Seara Nova em 1939). Não posso dizer que foi o maior poeta mundial do séc. XX porque, pura e simplesmente, me faltam conhecimentos para isso. Mas, no que respeita a Portugal não tenho dúvidas, apesar dos muitos e excelentes poetas do séc. XX e, do resto do mundo, também, daqueles que conheço, poucos se podem comparar a ele. E, hélas, Pessoa também não recebeu o Prémio Nobel (mas aí está em boa companhia).
Fernando Pessoa, apesar de pouco ter publicado em vida (mais propriamente, de pouco ter publicado em livro), tinha uma confiança absoluta no seu valor e na validade da sua obra, que mereceria até o sacrifício da sua vida sentimental.
Em 1912, ele escreveu uma série de artigos, na revista "A Águia", órgão do movimento Renascença Portuguesa, sobre a nova poesia portuguesa que estaria, segundo ele, então a despontar. Depois de comparar, segundo ele, os períodos dourados das literaturas inglesa (o isabelino até à queda de Cromwell) e francesa (da Revolução francesa até à Comuna de Paris), Pessoa chega à conclusão que a poesia portuguesa da época está mais ao menos na mesma situação que permitiria um período dourado:
A analogia é absoluta. Temos, primeiro, a nota principal da completa nacionalidade e novidade do movimento. Temos, depois, o caso de se tratar de uma corrente literária contendo poetas de indiscutível valor. E note-se - para o caso de se argumentar que nenhum Shakespeare nem Vítor Hugo apareceu ainda na corrente literária portuguesa - que esta corrente vai ainda no princípio do seu princípio, gradualmente, porém, tornando-se mais firme, mais nítida, mais complexa. E isto leva a crer que deve estar para muito breve o inevitável aparecimento do poeta ou poetas supremos, desta corrente, e da nossa terra, porque fatalmente o Grande Poeta, que este movimento gerará, deslocará para segundo plano a figura, até agora primacial, de Camões. Quem sabe se não estará para um futuro muito próximo a ruidosa confirmação deste deduzidíssimo asserto? [...]É óbvio que Pessoa não afirma que seria ele o "supra-Camões", mas, a posteriori, quase que podemos dizer que estava a desenhar um fato à sua medida. Interessante é também a parte final deste conjunto de artigos:
Pode objectar-se, além de muita coisa desdenhável num artigo que tem de não ser longo, que o actual momento político não parece de ordem a gerar génios poéticos supremos, de reles e mesquinho que é. Mas é precisamente por isso que mais concluível se nos afigura o próximo aparecer de um supra-Camões na nossa terra. [...] Porque a corrente literária, como vimos, precede sempre a corrente social nas épocas sublimes de uma nação. Que admira que não vejamos sinal de renascença na vida pública, se a analogia nos manda que vejamos apenas uma, duas ou três gerações depois do auge da corrente literária?
Tirem-se, rapidamente, as tónicas conclusões finais. São três. A primeira é que para Portugal se prepara um ressurgimento assombroso, um período de criação literária e social como poucos o mundo tem tido. Durante o nosso raciocínio deve o leitor ter reparado que a analogia do nosso período é mais com o grande período inglês do que com o francês. Tudo indica, portanto, que o nosso será, como aquele, maximamente criador. Paralelamente se conclui o breve aparecimento na nossa terra do tal supra-Camões. Supra-Camões? A frase é humilde e acanhada. A analogia impõe mais- Diga-se «de um Shakespeare» e dê-se por testemunha o raciocínio, já que não é citável o futuro. A segunda conclusão é que, tendo o movimento literário português nascido e acompanhado o movimento republicano, é dentro do republicanismo, e pelo republicanismo, que está, e será, o glorioso futuro deduzido. São duas faces do mesmo fenómeno criador. Fixemos isto: ser monárquico é, hoje, em Portugal, ser traidor à alma nacional e ao futuro da Pátria Portuguesa. A terceira conclusão é que o republicanismo que fará a glória da nossa terra e por quem novos elementos civilizacionais serão criados, não é o actual, desnacionalizado, idiota e corrupto, do tripartido republicano. De modo que é bom fixar isto, também: que ser monárquico é ser traidor à alma nacional, ser correligionário do Sr. Afonso Costa, do Sr. Brito Camacho , ou do Sr. António José de Almeida, assim como de vária horrorosa subgente sindicalista, socialista e outras coisas, representa paralela e equivalente traição. O espírito de tudo isso é absolutamente contrário do espírito da nova corrente literária. Tudo ali é improtado do estrangeiro, tudo é sem elevação nem grandeza, popular com o que há de mais Mouraria na popularidade. Para nada de morte lhes faltar, nem antitradicionais são: herdaram cuidadosamente os métodos de despotismo, de corrupção e de mentira que a monarquia tão como seus amou. [...]Fernando Pessoa nunca gostou particularmente da 1.ª República nem dos seus principais protagonistas. O futuro glorioso de Portugal prognosticado por Pessoa ainda não aconteceu, mas o brilho da obra que produziu, esse ninguém o pode tirar.
Post scriptum: As citações do artigo de Pessoa publicado in A Águia, foram retiradas do livro de António Quadros, Textos de Intervenção Social e Cultural - A Ficção dos heterónimos, Europa-América.