Humanae Litterae
Blog sobre literatura e cultura em geral, com interesse especial em linguística e tradução. De Rui Oliveira.
sábado, 1 de janeiro de 2011
Bom Ano Novo
domingo, 23 de novembro de 2008
D. Francisco Manuel de Melo
Ao Arcanjo são Rafael, pedindo-lhe
dirija sua molesta navegação
Piloto Celestial, Norte divino
Primeiro Tifis, Palinuro belo,
Guiador de Tobias a Gabelo,
Igual luz que do Velho, do Minino
Este madeiro que sem luz, sem tino,
Corta do mundo tanto paralelo,
Que presago se mostra em seu desvelo,
Mais do naufrágio que do porto dino!
Socorrei e guiai, entre as porfias
Dos erros e das sombras que ignorante
O desviam do porto verdadeiro!
Qual como fostes a ambos os Tobias,
Do Pai mèzinha e médico elegante,
Do Filho guia e doce companheiro.
(D. Francisco Manuel de Melo, Poesias Escolhidas, Prefácio, selecção, notas, tábua de concordância e glossário poe José V. de Pina Martins, Editorial Verbo)
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
Padre António Vieira
Aparece uma nuvem no meio daquela Baía, lança uma manga ao mar, vai sorvendo por oculto segredo da natureza grande quantidade de água; e depois que está bem cheia, depois que está bem carregada, dá-lhe o vento, e vai chover daqui a trinta, daqui a cinquenta léguas.Padre António Vieira, Sermão da Visitação de N. Senhora, pregado no Hospital da Misercórdia da Baía
Pois, nuvem ingrata, nuvem injusta: se na Baía tomaste essa água, se na Baía te encheste, porque não choves também na Baía? Se a tiraste de nós, porque a não despendes connosco? Se a roubaste a nossos mares, porque a não restituis a nossos campos? Tais como isto são muitas vezes os ministros que vêm ao Brasil - e é fortuna geral das partes ultramarinas. Partem de Portugal estas nuvens, passam as calmas da Linha, onde se diz que também refervem as consciências, e em chegando, verbi gratia, a esta Baía, não fazem mais que chupar, adquirir, ajuntar, encher-se (por meios ocultos, mas sabidos), e ao cabo de três ou quatro anos, em vez de fertilizarem a nossa terra com a água que era nossa, abrem as asas ao vento, e vão chover a Lisboa, esperdiçar a Madrid.
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
Macias (I) - Dados briográficos possíveis
Después dellos [dos trovadores galego-portugueses] vinieron Vasco Peres de Camoes e Fernand Casquicio e aquel grande enamorado Macias, del qual no se fallan syno quatro canciones, pero ciertamente amorosas e muy fermosas sentencias, conuiene a saber: Catiuo de miña tristura, Amor cruel e brioso Señora, en quien fiança e Prouey de buscar mesura.
(Marqués de Santillana, Poesias Completas, II, Edición, introducción y notas de Manuel Durán, Madrid: Clásicos Castalia, p. 219)
yo fenezca mal logrado
tan en breve
plégate que com Macías
ser meresca sepultado:
y decir deue
do la sepultura sea:
una tierra los crió,
una muerte los leuó,
una gloria los possea.
quarta-feira, 21 de março de 2007
Dia Mundial da Poesia
E qué cosa es la poesía, que en nuestro vulgar gaya sciencia llamamos, syno un fingimiento de cosas útyles, cubiertas o veladas con muy fermosa cobertura, conpuestas, distinguidas y scandidas por cierto cuento, peso e medida?Esta ideia expressa pelo Marquês de Santillana de que a poesia tem maior prestígio e é mais antiga do que a prosa foi muito popular e durou até ao início do séc. XVIII. Giambattista Vico (1668-1744) defendeu que a linguagem humana começou como poesia, pois as mais antigas manifestações linguísticas eram poéticas (no tempo de Vico ainda não tinham sido descobertas as tábuas de argila sumérias cujo conteúdo era, na sua maioria, registos comerciais e de contabilidade). Também Johann Gottfried Herder (1744-1803) defendeu o mesmo (cf. Peter Seuren, Western Linguistics, Blackwell, pp. 76-77). É uma ideia que está agora completamente esquecida.
[...]
E asy faziendo la via de los stoycos, los quales con grande diligencia inquirieron el origine e causa de las cosas, me esfurço a dezir el metro ser antes en tiempo e de mayor perfección e más auctoridad que la soluta prosa.
Mas o elevado estatuto que o a poesia e o poeta goza mantém-se (aliás como a figura do "intelectual" ou do "escritor"). É claro que, para mim, foram do âmbito da literatura, os poetas são como outra pessoa qualquer, não é por isso que eu considero mais ou menos aquilo que dizem. Digo isto porque, frequentemente, vejo nos meios de comunicação social uma reverência ou um embasbacamento bacoco para com pessoas que têm um qualquer tipo de obra na chamada "cultura", que falam do assunto como se fosse só para mentes brilhantes ou para iniciados ou uma coisa mística. Ora, isto a mim que, por exemplo, gosto muito de poesia irrita-me um pouco.Tive um professor de Introdução aos Estudos Literários que repetia-nos sempre que "letras não são tretas".
A poesia é algo muito diverso, para todos os gostos. Toda a gente pode gostar de poesia. É claro que a seu leitura implica maior esforço, maior estudo, mas não tem que ser propriedade de uns "happy few". E, se há alguma coisa que tem feito mal ao gosto de ler poesia, essa coisa é o Ministério da Educação mais os seus programas de português têm feito com que muita gente odeie poesia.
Enfim, espero apenas que o Dia Mundial da Poesia leve mais algumas pessoas a lerem poesia, mas também a lerem melhor poesia. É que nem tudo que por aí se publica vale muito bem a pena ler.
domingo, 28 de janeiro de 2007
Macias, o Namorado
Alguns dos poemas a ele atribuídos apareceram no Cancioneiro de Baena (1445). Antes de iniciar o artigo, deixo aqui esta cantiga, para primeira amostra.
Cantiga de Macias para su amiga.
Cativo! de mia tristura
ja todos prenden espanto
3 e preguntan que ventura
é que m' atormenta tanto
que non sei no mundo amigo
6 a quen mais de meu quebranto
diga d' esto que vos digo:
Quen ben see, nunca devia
9 al pensar, que faz folia.
Cuidei sobir en alteza
por cobrar mayor estado,
12 e caí en tal pobreza
que moiro desamparado.
Con pesar e con desejo
15 ben vos direi, mal-fadado,
o que ouço ben e vejo:
Cando o louco cree mais alto
18 sobir, prende mayor salto.
Pero que provei sandece,
por que me dev' a pesar,
21 minna loucura assi crece
que moiro por én trobar.
Pero mais non averei
24 se non ver e desejar,
e por én assi direi:
Quen en carcer sol viver,
27 en carcer deseja morrer.
Minna ventura en demanda
me poso atan dultada,
30 que meu coraçon me manda
que seja sempre negada.
Pero mais non saberán
33 de minna coita lazerada,
e por én assi dirán:
Can ravioso é cousa brava,
36 de seu sennor sei que trava.
segunda-feira, 22 de janeiro de 2007
Ainda Dante Alighieri
A Divina Comédia é sem dúvida a obra-prima de Dante e de longe a sua obra mais conhecida, aquela que o tornou conhecido ainda em vida (embora nem sempre pelas melhores razões - havia quem acreditasse que ele tinha estado mesmo no inferno), mas as suas outras obras, que poderíamos considerar como menores e de que a Vita Nuova faz parte, bastariam só por si para assegurar o lugar de Dante entre um dos grandes da literatura italiana em particular e mundial em geral.
O facto de ter escrito uma obra como a Divina Comédia em italiano, tratando temas profundos e complexos, permitiu que o toscano se elevasse a acima de todos os outros dialectos italianos, pois depois dele Boccaccio e Petrarca também escreveram no mesmo dialecto.
Outras obras de Dante tiveram, também alguma consequências imprevisíveis, por exemplo, após a sua morte, o legado pontifício da Lombardia quis que os restos mortais de Dante, que estavam em Ravena, fossem queimados juntamente com a sua obra De Monarchia, pois esta era considerada herética. Esta obra escrita em latim, em três livros, defendia a separação entre o Papado e o Império. Dante acreditava num Império universal como única modo de garantir a paz. Por isso o poder do Imperador não poderia estar sujeito ao do Papa. De qualquer modo, nem os seus restos mortais, nem a sua obra foram queimados.
Dante Alighieri foi sem dúvida um dos grandes escritores de sempre, com uma agitada vida política que o fez exilar de Florença, para onde não voltou mesmo depois de morto, tendo sofrido muito por esse exílio.
Nos autem, cui mundus est patria velut piscibus equor, quanquam Sarnum biberimus ante dentes et Florentiam adeo diligamus ut, quia dileximus, exilium patiamur iniuste, rationi magis quam sensui spatulas nostri iudicii podiamus.
Eu, que tenho por pátria o mundo como os peixes o mar, embora tenha bebido no Arno sendo ainda menino de leite e tanto ame Florença que por seu amor sofro injustamente o exílio, apoio os meus propósitos mais na razão do que no sentimento.